A Justiça do Rio Grande do Sul condenou seis pessoas por organização criminosa e crimes contra a relação de consumo. A sentença veio quase três anos depois da operação do Ministério Público gaúcho (MP-RS) que identificou irregularidades na comercialização de carne de cavalo em Caxias do Sul (RS). As penas variam de cinco anos a cinco anos e quatro meses de reclusão. Outros quatro acusados foram absolvidos.
A investigação apontou que a carne equina era moída, transformada em hambúrgueres e vendida para lanchonetes sem respeitar a regulamentação de abate e comercialização deste tipo de produto no Brasil, que é de responsabilidade do Ministério da Agricultura. “O que, naturalmente, atenta não só contra a saúde pública, mas, também, contra as normas de inspeção industrial, sanitária e de relação de consumo”, destacou a juíza Taise Velasquez Lopes, da Quarta Vara Criminal de Caxias do Sul.
Pode comer carne de cavalo no Brasil?
Sim, pode. A liberação da carne de cavalo se baseia no decreto 9.013, de 2017, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que considera os equinos como “espécies de açougue”, assim como bovinos, búfalos, suínos, ovinos, caprinos, lagomorfos, aves domésticas e animais silvestres criados em cativeiro. O abate, no entanto, deve ser feito apenas em estabelecimentos sob inspeção e fiscalização das autoridades sanitárias.
Por que no Brasil não se come carne de cavalo?
É uma questão cultural. A proteína é menos aceita pelos consumidores brasileiros do que a carne bovina, carne de frango ou suína. O consumo é maior em outras partes do mundo, como Hong Kong, China e Rússia. Em 2021, as vendas para o mercado externo ultrapassaram US$ 12 milhões, com destaque para esses três países.
França, Bélgica e Itália também são consumidores da iguaria. Os japoneses até criaram o basashi, tipo de sashimi de carne de cavalo servido com molho de soja e gengibre.
“A relação cultural de afeto entre os brasileiros e os cavalos não permite a alimentação. Eles têm um aspecto utilitário e de uso, seja para transporte ou trabalho, mas há pessoas que ainda falam que esses animais são de companhia. É diferente do bovino”, conta Denise Pereira Leme, veterinária e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Qual é o gosto da carne de cavalo?
“A coloração é bem parecida com a bovina, um pouco mais escura. A carne é firme e não tem muita gordura”, afirma a veterinária Andressa de Araújo Naves, do frigorífico Frigofava, em Minas Gerais.
A empresa exporta o produto para mercados onde serve como ingrediente para ração de animais de companhia. Ela explica que, de forma semelhante à da indústria bovina, nada no cavalo se descarta. Além da carne, couro, crina e cascos têm suas destinações.
Em 2018, o Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural publicou um trabalho sobre produção e comercialização de carne equina no Brasil. Conforme o documento, os europeus consomem o produto por reconhecerem seu valor nutricional.
O estudo aponta níveis superiores de proteína e inferiores de gordura em comparação com a carne bovina. “Apresenta também teores elevados de ferro e zinco, sendo suficiente para suprir um terço da exigência diária de adultos”, diz o texto.
A pesquisa comparou os teores de nutrientes em porções de 100 gramas e chegou aos seguintes resultados.
• Carne equina: 71% (água), 22,6% (proteína), 5,5% (lipídios), 0,9% (minerais) e 136,4 (calorias);
• Carne bovina: 68,3% (água), 20% (proteína), 10,7% (lipídios), 11,1 (minerais) e 181,5 (calorias);
• Carne suína: 65,1% (água), 19% (proteína), 15% (lipídios), 0,9 (minerais) e 217,4 (calorias);
Projeto visa proibir carne de cavalo
Em outubro de 2022, o deputado Ney Leprevost (União Brasil-PR) apresentou um projeto de lei (2387/2023) contra o abate de cavalos e jegues. O político argumentou, em entrevista à Agência Câmara, que “havia relatos de práticas cruéis nos procedimentos, como privação de água e alimentos e choques elétricos”.
A Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara se manifestou a favor da proposta, que ainda depende de parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) antes de ir à votação em Plenário.