A Fazenda Vassoural, em Pontal, na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, dedica-se à criação de cavalos mangalarga e crioulo há 48 anos. A propriedade centenária, que já pertenceu a Francisco Schmidt, o “rei do café”, e hoje está nas mãos da família Biagi, uma das mais tradicionais da indústria brasileira de açúcar e etanol, tornou-se uma das únicas do país a manter um trabalho de criação de cavalos destinada especificamente à equoterapia.
Beatriz Biagi Becker, filha de Maurilio Biagi, um dos pioneiros do setor sucroalcooleiro, transformou sua paixão por esses animais, que ela nutre desde a infância, em um negócio de melhoramento genético de cavalo mangalarga. Os animais da raça são considerados os principais cavalos de sela do país.
Na fazenda, que já abrigou um dos principais engenhos de cana do estado, nascem 15 potros mangalarga e três da raça crioulo por ano, mas apenas com dois anos e meio se faz a triagem dos animais para cada atividade: cavalos de genética superior vão seguir para provas de pista, os mais dóceis, para equoterapia, e os demais, para cavalgadas ou manejo do gado.
O trabalho da Vassoural contrasta com a prática usual na seleção de animais para a equoterapia, que quase sempre limita-se ao uso, na atividade, de cavalos mais velhos, virtualmente “aposentados”.
Todos os animais têm registro genealógico. A propriedade, que tem cerca de 200 hectares, abriga também atividades de melhoramento genético de bovinos e criação de ovinos e caprinos, além de plantação de cana-de-açúcar e um museu de equipamentos da cana.
“Eu crio cavalos para várias atividades: trabalho no campo, competições hípicas, cavalgadas e equoterapia. Sou selecionadora, e o meu objetivo primário não é o comércio”, diz Beatriz, a Bia, dona da marca Beabisa que também atua no mercado imobiliário.
Uma parceria entre Beatriz Biagi Becker, a fisioterapeuta Elaine Cristina Leite Soares Edneia Corrêa de Mello, doutoranda da Faculdade de Odontologia da USP de Ribeirão Preto, criou uma iniciativa inédita de equoterapia.
Em vez de oferecer a tradicional reabilitação física e educacional de crianças e adolescentes que têm problemas de mobilidade ou autismo, o projeto priorizou a aceitação da terapia e a análise da capacidade funcional de 18 idosos saudáveis, com idades entre 60 a 79 anos. O artigo sobre o estudo já foi aprovado para publicação no “Journal Of Bodywork & Movement Therapies”, uma publicação científica do Reino Unido.
Projeto priorizou a aceitação da terapia e a análise da capacidade funcional de idosos saudáveis — Foto: Eliane Silva
Sandra Chioatto, de 73 anos, foi uma das participantes do estudo, mesmo sem jamais ter andado a cavalo antes.
“O trabalho melhorou muito minha disposição, e fiquei mais forte e confiante para enfrentar outros desafios”, conta. “Eu já gostava de dançar. Agora, vou a três bailes por semana.”
Mesmo sem ter o comércio de animais como foco, a propriedade vende cerca de 15 cavalos por ano. Segundo o veterinário José Roberto Pires de Campos Filho, que faz o planejamento anual do negócio junto com a proprietária e dá suporte à criação dos cavalos, o objetivo é manter cerca de cem equinos na Vassoural, que é muito procurada por compradores por causa da boa fama de sua genética, de seus cuidados com o bem-estar animal e de sua técnica de doma. A fazenda não vende potros, só animais montados.
Outros dois veterinários prestam serviço à Vassoural nas áreas de reprodução e clínica. Segundo José Roberto, todos os animais da fazenda passam por sessões de acupuntura, quiropraxia (um tipo de “massagem” nos ossos) e crioterapia (técnica em que os membros do animal são submersos em água a 6ºC para prevenção e tratamento de lesões).
No caso dos cavalos atletas, os cuidados são diários. Os banhos semanais incluem shampoo, condicionador e hidratante para os pelos.
Os cuidados especiais e a busca por um animal manso, de confiança, começam no nascimento.
“Quando o potrinho nasce, a gente não sabe para qual atividade ele vai seguir, mas todos passam nas primeiras horas de vida pelo imprint, quando eles veem o ser humano e entendem que ele é um amigo, e não um predador”, conta o veterinário.
Na técnica do imprint, o tratador abraça e acaricia o potrinho nas regiões mais sensíveis do animal, até que ele passe a seguir o profissional e estabeleça com ele uma relação de confiança. Depois disso, o potro passa seis meses mamando. Após o desmame e o cabresteamento, o potro passar a conviver com outros da mesma idade, sob a guarda de uma égua madrinha.
Com 18 meses, o animal segue para uma fazenda da família, a 60 quilômetros da Vassoural, para ter uma vida rústica de trabalho e se desenvolver. Só no retorno para a Vassoural, quando o cavalo está com dois anos e meio de idade, é que se faz a triagem para cada funcionalidade.
Fonte: Globo Rural